Entre o falso e o verdadeiro

No finalzinho do sermão do Monte Jesus fala a respeito dos obreiros falsos, isto é, os que pregam em seu nome, mas vivem em pecado ou, usando o termo clássico, praticam a iniqüidade. “Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres? Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal” (Mt 7.22-23).

Sempre que leio a advertência de Jesus fico pensando onde fica a linha que limita geograficamente no mundo espiritual, o falso do verdadeiro. Sim, porque o verdadeiro e o falso podem ser confundidos na sua aparência e em suas manifestações. Mas, também preocupo-me em saber se já não ultrapassei a linha geográfica espiritual tornando-me parte dos que Jesus rotula como falso.

Sim, porque nós, especialmente pentecostais clássicos, neo pentecostais e carismáticos realizamos em nossos ministérios as três coisas mencionadas por Jesus: Profetizamos em Nome de Jesus; pregamos libertação e expulsamos demônios e operamos milagres com manifestações do poder de Deus. Jesus, no entanto, não está condenando os que praticam tais coisas, porque ele e seus discípulos, e depois a emergente igreja do primeiro século também operavam nestas três áreas. O livro dos Atos dos Apóstolos e as epístolas, bem como os mais antigos documentos mostram a igreja operando nestas três áreas.

Muitos pregadores, com temor de Deus evitam profetizar em Nome de Jesus, recusam expulsar demônios e não oram pelos enfermos nem por milagres temendo incorrer na condenação de Jesus, mas, Jesus não condena os pregadores que praticam estas três coisas, e sim, os que a praticam em Nome dele e continuam a viver na prática da injustiça e na prática do mal. A prática da injustiça não é apenas viver em pecado, mas um estilo de vida totalmente diferente do que Jesus ensinou. Quando os pregadores abandonam a prática da justiça social, deixam de denunciar os governos corruptos e não defendem mais o direito do pobre e do desamparado, vivem na prática da iniqüidade.

Analisando profundamente o tema não temos como diferenciar o falso do verdadeiro pela mensagem que se prega, porque, o falso nunca prega a falsidade abertamente, do contrário afugentaria seus ouvintes; ele sempre prega a verdade, mas vive na mentira e no erro. Então, o que diferencia um profeta falso do verdadeiro? Os milagres? Os dons? O Poder? Não se pode separar o falso do verdadeiro pela capacidade espiritual nem pelas manifestações sobrenaturais. O falso demora a aparecer, porque Jesus mesmo observou que os frutos da pessoa denunciarão se ele é obreiro verdadeiro ou falso.

Temos um exemplo bíblico de falsidade denunciado por Jesus Cristo no livro de Apocalipse. É caso de Balaão. Pode-se dizer que ele era agoureiro, feiticeiro ou vidente, no entanto, ele conhecia o caminho para falar com Deus. Quando os príncipes de Balaque o procuraram com a oferta de riqueza em troca de maldições contra o povo, a primeira coisa que ele fez foi falar com Deus. O que demonstra sua espiritualidade. Ele não dava um passo sem consultar a Deus, como muitos de nós fazemos.

Quando lemos sobre Balaão nos capítulos 22 a 25 de Números percebemos quando ocorreu o engano. Na segunda vez que os príncipes chegaram com uma oferta maior, ele voltou a consultar a Deus. Mas para quê? Se já sabia que Deus não queria que ele amaldiçoasse o povo! Ele o fez para acalmar sua consciência, pois estava de olho na prosperidade e na riqueza que Balaque lhe oferecia. Depois, tudo o que ele profetizou veio de Deus, e de olho na grana e na riqueza chamou Balaque à parte e lhe mostrou o caminho da maldição. Fez que as mulheres moabitas se apresentassem seminuas nas proximidades do acampamento e induzissem os israelitas à prática da prostituição e a adoração a outros deuses.

Por isso Jesus o denuncia: “Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição” (Ap 2.14). Em momento algum do texto se vê Balaão recomendando Balaque a armar ciladas para o povo; vê-se, no entanto que falava profeticamente a verdade. Mais tarde, Moisés descobriu a artimanha de Balaão e ordenou a Josué que matasse o profeta. “Também os filhos de Israel mataram à espada Balaão, filho de Beor, o adivinho, com outros mais que mataram” (Js 13.22).

Portanto, o falso, não é falso pelo que prega, é falso pelo que vive, especialmente quando prega a verdade, mas induz o povo ao erro. É o caso de Balaão. Ele induziu o povo à prostituição. Foi também o caso de Corá na rebelião contra Moisés. O que ele reivindicava era certo, porque todos eles eram líderes com Moisés, mas seu pecado foi o de se levantar contra a autoridade dada por Deus a Moisés.

Por isso, Jesus aponta a diferença entre o obreiro falso e o verdadeiro: seu estilo de vida ou a prática diária. Ele pode ser um pregador eloqüente, como muitos destes que viajam pelo Brasil, que sacodem multidões e levam o povo ao delírio espiritual, ao êxtase e aos glórias e aleluias, e que voltam para seu quarto do hotel para se deliciar com mulheres ou deleitar-se diante de filmes e imagens pornográficas. Ali bebem seu uísque favorito e se preparam espiritualmente para a conferência da manhã do dia seguinte quando inocentes pastores o aguardam na expectativa de ouvir uma palavra de Deus.  Assim, o falso mestre não é falso por aquilo que ensina. O falso sempre prega o verdadeiro. Mas vive o falso, ou induz à falsidade!

Muitos tomam o texto de Deuteronômio 13 como se ali tratasse de um profeta falso, mas não é. Os tradutores da Bíblia que colocaram o título antes do capítulo é que nos induzem a acreditar que se trata de um falso profeta. Na minha Bíblia está assim: “Contra os falsos profetas e os idólatras”. No entanto, examinando o texto, o profeta em questão não é falso, mas verdadeiro. Observe: “Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado…” (Dt 13.1-2). Quer dizer: O pregador ou profeta anuncia um milagre e este acontece, portanto, ele não pode ser julgado como profeta falso, afinal, o que profetizou e anunciou aconteceu!

Ora, neste sentido, muitos profetas que não são profetas de Deus também vaticinaram coisas que aconteceram e, no entanto, eram falsos. As profetizas que atendiam no monte Sibila em Roma e as que profetizavam no templo de Apolo falaram coisas que aconteceram. Estes profetas eram falsos, no entanto, a profecia deles aconteceu. Como diferenciar o falso do verdadeiro? Á luz do ensinamento de Deuteronômio 13 ele é falso, mesmo profetizando e as coisas acontecendo – porque dos profetas que falam e nada acontece o Senhor trata em Deuteronômio 18.18-22.

A resposta é dada no mesmo texto de Deuteronômio 13.1-3. Ora, na primeira parte do texto temos a afirmativa de que ele profetizou e o milagre aconteceu, portanto, não pode ser julgado como falso, mas logo a seguir ele é falso. A mudança é quase imperceptível no texto: “… e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los…”. Você percebe quando ele deixa de ser verdadeiro para se tornar falso? Quando usa do Nome do Senhor e do milagre que aconteceu para desviar o olhar das pessoas de Deus; estas passam a ver o milagre e o milagreiro, e não o Senhor. Quando o profeta ou milagreiro atrai as pessoas para si e usa dos milagres para se enriquecer e para encobrir o seu pecado, este é um profeta falso, e nesta categoria muitos dos que pregam o evangelho neste país são falsos.

A segunda diferença entre o falso e o verdadeiro é que o profeta verdadeiro vive na prática da justiça social. No passado este quesito sempre diferenciou os profetas verdadeiros dos falsos. O profeta de Deus está preocupado com o povo, com seu sofrimento, com as injustiças sociais, vivendo e sofrendo a favor do Senhor e do povo para o qual é enviado a pregar. Basta examinar os profetas bíblicos e ver-se-á que a preocupação deles era sempre com o sofrimento do povo e com suas necessidades. Os profetas de hoje, no entanto, não se importam com o povo, se é injustiçado ou não; os profetas de hoje casaram-se com o sistema corrupto que rege a sociedade e profetizam alegria, paz, prosperidade, bem-estar e riqueza ao povo e só anunciam coisas boas aos governadores, prefeitos e ao Presidente da República. Enquanto o dinheiro estiver caindo na conta bancária, profetizam o que é bom.

Quando os pregadores começam a se enriquecer no ministério passam desapercebidos para a qualificação de “falsos”, apesar de continuarem realizando milagres e expulsando demônios em Nome de Jesus. Por isso, no Dia final serão julgados pelo próprio Jesus.

“… Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade”. O Dia do Senhor, e somente este Dia revelará quem é falso e quem é verdadeiro. Portanto, pregadores, vocês e eu que todos os dias anunciamos a palavra, profetizamos em Nome de Jesus e realizamos milagres, coloquemo-nos diante da palavra de Deus, façamos uma análise de nosso ministério e arrependamo-nos de nossos pecados.

Certamente voltarei a escrever a continuidade deste tema nos próximos dias.

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