As Lágrimas de Esaú – parte 1

“Nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura. Pois sabeis também que, posteriormente, querendo herdar a bênção, foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado” (Hb 12.16-17).

Este texto da carta aos Hebreus descreve o momento em que Esaú, percebendo que perdera a bênção, chora copiosamente.

Como ouvisse Esaú tais palavras de seu pai, bradou com profundo amargor e lhe disse: Abençoa-me também a mim, meu pai! (…) Disse Esaú a seu pai: Acaso, tens uma única bênção, meu pai? Abençoa-me, também a mim, meu pai. E, levantando Esaú a voz, chorou (Gn 27.34,38).

Para entender o texto de Hebreus é preciso deixar de lado algumas idéias muito comuns entre as pessoas, e até mesmo entre o povo de Deus nos dias de hoje. Primeiramente reciclar o conceito de que Deus é amoroso e fofo, que trata todo mundo sempre com graça e misericórdia. As pessoas esquecem de que Deus é também justiça. Em segundo, as pessoas acham que lágrimas derramadas em profusão são sinais ou sinônimo de arrependimento. Em terceiro, as pessoas questionam e arrazoam da seguinte maneira: Se Esaú chorou copiosamente, por que não alcançou misericórdia? Por que Deus foi tão duro com ele? Deus é que diz: “Amei a Jacó, porém aborreci a Esaú” (Ml 1.2-3).

É necessário também identificar o que é um profano, pois a recomendação apostólica é: “Nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú”. O contrário de profano é sagrado. Santo. A pessoa é profana quando viola ou trata com irreverência ou desprezo alguma coisa sagrada ou venerável. Esta palavra se aplica a pessoas que rejeitam tudo o que é de Deus; tudo que é da esfera divina. Uma pessoa se torna profana – mesmo sendo um crente – quando conscientemente deixa Deus de lado, por saber a opinião dele sobre determinado tema. Ela não aceita a opinião de Deus, e, no entanto, não abandona sua fé. Neste sentido, Saul também se tornou profano. Ele sabia a vontade de Deus, e decidiu fazer a sua. Esaú sabia a vontade de Deus e decidiu seguir a sua. Depois chora copiosamente pelo erro, mas não pela ofensa a Deus.

Esaú, ao negociar seu direito de primogenitura por um prato de comida, zombou de Deus, pois este estabeleceu a lei da primogenitura como um princípio espiritual. É neste sentido que se deve entender os textos de Gênesis e de Hebreus. João Calvino comentou o texto de Hebreus na seguinte perspectiva:

Faminto, Esaú preocupou-se apenas com seu estômago. Depois de se alimentar, riu de seu irmão e o julgou um bobo porque seu irmão voluntariamente se absteve de uma refeição. Este é o comportamento dos ímpios, que ardem em depravadas paixões, ou se entregam aos prazeres da carne. Mais tarde entendem que as coisas que mais desejavam serviram-lhe de fatalidade. A palavra rejeitado, no texto traz o sentido de que Deus teve repulsa dele ou lhe negou seu pedido.

E continua:

A pergunta é: O pecador tomado de arrependimento não obtém perdão? O apóstolo parece dizer exatamente isto, quando afirma que Esaú não encontrou arrependimento. Posso afirmar que o arrependimento, neste caso, não era fruto de uma sincera conversão a Deus. Era aquele terror de que o Senhor esmaga o ímpio, depois de viver tanto tempo na iniqüidade. Ele foi tomado por um senso de punição. As lágrimas de Esaú eram lágrimas atrasadas; ele não as derramou porque havia ofendido a Deus (mas por haver perdido o direito de posse).

O comentarista, John Gill teceu este comentário sobre o texto:

Inda que anelasse a bênção e derramasse lágrimas, Esaú não se arrependeu de verdade por haver desprezado o direito de primogenitura. Lágrimas não são sinais infalíveis de arrependimento. As pessoas ficam mais preocupadas com as perdas e os danos decorrentes do pecado, do que pela maldade que nele reside. Tal arrependimento não é sincero. Não é fruto do amor a Deus, ou da preocupação com sua glória.

A interpretação, a seguir, praticamente resume o que os demais comentaristas dizem deste texto:

Não achou lugar de arrependimento. O que Esaú queria com seu arrependimento, era mudar a determinação do pai que decidiu dar a bênção para Jacó. Se tivesse buscado o arrependimento verdadeiro teria encontrado. Mateus 7.7 diz: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Ele não o encontrou, porque não era isto que buscava. A prova de que suas lágrimas não eram de arrependimento está no fato de que prometeu vingança de morte a seu irmão. Ele derramou lágrimas, não por haver pecado, mas por saber a penalidade que o pecado lhe traria. Suas lágrimas foram de tristeza e de remorso, e não pelo pecado que cometera. (Jamieson, Fausset Brown Commentary).

Lágrimas, portanto, não servem como sinal de verdadeiro arrependimento. O seguinte comentário resume o que o texto quer afirmar:

Esaú é um exemplo trágico de uma pessoa que pratica um pecado sem poder ter uma segunda chance (Hb 6.6 e 10.26). O autor apresenta o caso de Esaú como alerta aos cristãos que estavam sendo tentados a abandonarem a Cristo (Robertson’s N T Word Picture).

Veja que tipo de lágrimas você derrama! Lágrimas de verdadeiro arrependimento por haver ofendido a Deus ou lágrimas de pesar pelos males que cometeu?

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