Pra-qui-ti-bum-bum-bum

Este não é o melhor título para o que eu quero escrever. Mas, por enquanto não achei um título melhor. É que ando deveras preocupado com os rumos que a igreja brasileira tomou – especialmente um segmento dela. A começar pelo som alto. Prevenido que sou costumo levar meus tampões de ouvidos às conferências e celebrações. Bem, som altíssimo não traduz o que costumo experimentar. É preciso reinventar uma palavra para o som alto de algumas conferências. Quando não se consegue ouvir a voz da pessoa cantando ao seu lado, então já não é mais som alto, é demasiadamente alto. Tem razão o João Gilberto que prefere tocar seu violão acústico sob o silêncio da platéia.

Talvez eu seja demasiadamente sensível aos sons graves, porque o coração pula sob o peito a ponto de se notar a camisa se mexer – e tenho a impressão de que terei um infarto. Pois é disto que falam os especialistas em som.

“É difícil encontrar uma única fração do corpo que não sofra a influência dos tons musicais. As raízes dos nervos auditivos estão mais amplamente distribuídas e possuem conexões mais extensas que as de quaisquer outros nervos do corpo. Mostrou a investigação que a música influi na digestão, nas secreções internas, na circulação, na nutrição e na respiração. Verificou-se que até as redes nervosas do cérebro são sensíveis aos princípios harmônicos”, diz David Tame em O Poder Oculto da Música.

Bob Larson explica melhor este tema: “O hormônio adrenalina é lançado na corrente sanguínea durante o stress, a ansiedade ou experiência simulada de submeter-se alguém a um volume anormal da música. Quando isto acontece, o coração bate célere, os vasos sanguíneos se constringem, dilatam-se as pupilas, empalidece a pele, e não raro o estômago, os intestinos e o esôfago são tomados de espasmos. Quando o volume é prolongado os batimentos cardíacos tornam-se irregulares”.

A alma não consegue se aquietar e assimilar pacientemente a pregação, porque os pregadores agitam o auditório com frases pré-moldadas, com palavras positivas; sim, percebem os pregadores que o povo precisa ser animado, que têm de responder à pregação com palmas e gritos de júbilo. Já não é mais a palavra de Deus que opera, mas as palavras de homens. Os pregadores modernos descobriram que as pessoas têm coceiras nos ouvidos e precisam ser acalentadas com frases motivadoras, frases positivas, e evitam falar de cruz, de quebrantamento e de pecado, e quando o fazem, usam o tema para catapultar a ênfase na glória, no poder e na autoridade que se seguem à cruz.

E aqui está o cerne do que preciso falar ao leitor. Os novos pregadores não pregam a palavra de Deus. Levam os irmãos a bradarem gritos de guerra, a soltarem frases de efeito contra o diabo, frases de cura, de libertação, de declaração de prosperidade, de riqueza, a maioria deles sob o som da batucada – batucada mesmo, com aquele ritmo africano peculiar que se ouve alhures pelo Brasil. Os tambores retumbam amplificados pelo sistema de som; o contra-baixo gera um som gravíssimo que mexe com cada órgão do corpo, e as guitarras solos trinam acompanhadas de outros instrumentos musicais, tudo isto como pano de fundo para a voz dos pregadores. O som é exacerbadamente alto! Tão alto que meus tímpanos doem, imagine os das criancinhas! O pra-qui-ti-bum, bum, bum ritmado ecoa por quase uma hora enquanto o pregador insta, instiga, conclama, persuade e ordena ao povo que fale, que grite mais alto, que falem línguas… Sabe aquelas frases, “receba de Deus esta noite” enquanto os pastores conclamam: “Diga pro seu irmão”; “fala pra você mesmo”; “diga pra Deus”, pule, bata os pés, cante!

Eis minha análise.

Percebi que nos últimos anos as igrejas neopentecostais incorreram numa mudança de comportamento no culto a Deus. A partir do momento em que deixaram o estilo de culto trazido pelos missionários – sabe aquele culto mais europeu, mais solene, apesar de barulhento, próprio dos pentecostais – e incorporaram a cultura brasileira nos cultos, parece que alguma coisa saiu dos trilhos. Sim, porque os cultos são hoje cópias das festas de arraiais, de desfiles de escola de samba, de festas do bumba-meu-boi, cópias de bailes animados, em que o sujeito toma o microfone e incentiva a moçada a dançar, a colar o corpo, a festejar, como nos rodeios e nas festas dos peões de boiadeiros!

A igreja brasileira incorporou a cultura tupiniquim aos seus cultos e criou uma nova “cultura” de adoração; permitiu um novo comportamento do povo de Deus. O progresso e a evolução positiva alcançados dos últimos quarenta anos – tempo este em que nos livramos, felizmente, de tantas tradições religiosas – descambaram para a anarquia, para a irreverência. As pessoas ficam inquietas, levantam-se o tempo todo, conversam, comem bolachas, fazem piquenique; as crianças correm soltas, os jovens se divertem com seus celulares, suas maquinas digitais, e os pregadores acostumaram-se a falar neste tipo de ambiente, e, para prender a atenção das pessoas formulam suas frases pré-escolhidas e surradas em tons cada vez mais altos.

Na análise que faço aqui percebo que, nossos irmãos não estão sabendo separar o humano do espiritual, porque alma e carnalidade misturam-se e se confundem com espiritualidade. Os cultos e celebrações são apenas manifestações da alma em que o Espírito de Deus não pode operar. Implantou-se a idéia de que a igreja vive de festas, de celebrações, de danças, de mensagens boas que agradam a todos. É possível ter um culto tupiniquim, da cara do Brasil, mas com reverência e educação?

Este novo comportamento deu lugar aos mantras cantados e falados. Sim, cantam-se mantras por quase uma hora, repetindo-se o mesmo refrão, sob a mesma batida da música e depois ouvem-se mantras repetidos pelos pregadores, também sob a batuta do instrumentos musicais. O pra-qui-ti-bum–bum-bum não dá tréguas! Ecoa em seus ouvidos como músicas de saltimbancos que se impregnam na mente durante todo dia!

É possível que eu não esteja preparado para essa mudança comportamental; meus ouvidos ainda estão sensíveis aos ruídos e ao som alto; preferem o som acústico; meu estilo de pregação continua o mesmo e não consigo acariciar a alma e o intelecto dos ouvintes com palavras vãs e repetitivas; ainda gosto de me sentar numa conferência e, de Bíblia aberta acompanhar o raciocínio do pregador, conferindo os textos bíblicos aguardando pelo momento de contrição, arrependimento, de entrega pessoal a Deus, para só então explodir em alegria e prazer!

Acostumado a pregar em todas as igrejas, inclusive as neopentecostais, pentecostais, tradicionais e as bem tradicionais aprendi, com Blaze Pascal a me posicionar no “centro”, sem ir para os extremos – eu que no passado passeava pelos extremos como dono da verdade – mas, cada vez que assisto cultos extravagantes sou jogado para os extremos. É como se meu ser repudiasse a tudo buscando refúgio nas experiências do passado, o que reluto em aceitar. Prefiro o meio termo.

 Mas, não se pode negar que os cultos de algumas igrejas brasileiras assemelham-se as grandes quermesses de antigamente, em que se comia, andava-se de roda-gigante, brincava-se de tiro ao alvo e assistíamos às missas. Os cultos de algumas igrejas brasileiras assemelham-se as grandes quermesses em que se faz de tudo, até sorteios de produtos para os irmãos. 

Conclamo os especialistas e pesquisadores a que examinem esta tendência e que nos indiquem, por favor, onde vamos parar e o que acontecerá com o culto da igreja brasileira nos próximos vinte anos.

Uma análise mais aprofundada o leitor encontrará em meu artigo Análise da Igreja Brasileira e as Perspectivas Futuras, aqui no meu site. 

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