O Evangelho Segundo os Evangélicos

Nos últimos vinte anos tive publicados 21 livros e ainda tenho outros dezoito esperando serem publicados. Alguns deles vendem regularmente apesar de duas décadas de lançamento no mercado. Os leitores que me acompanham através dos artigos certamente percebem que procuro ser o mais bíblico possível e fiel à doutrina apostólica, algo difícil num mundo em que um escritor para ter sucesso precisa se render ao mercantilismo e a propostas de auto-ajuda que o povo quer e compra nas livrarias. Sempre pedem que eu escreva o que o povo quer ler, e esta recusa de minha parte diminui consideravelmente meu campo de ação. Desculpe-me o desabafo. O que quero dizer é que os evangélicos criaram um evangelho diferente do evangelho de Jesus Cristo revelado aos apóstolos e profetas no primeiro século.

Com raríssimas exceções o evangelho que ouço em conferências, pelo rádio e pela tevê e nos cultos das igrejas já não é mais o evangelho bíblico e autêntico que nos legaram os apóstolos.

1. Ouvimos todos os dias pregações de um evangelho de ofertas e não de demandas. Faz falta novamente que se volte a pregar sobre as demandas do reino, do senhorio de Cristo, do desprendimento pessoal a favor do reino e do seu Rei. Templos e salões estão repletos de pessoas ouvindo um evangelho de graça barata, em busca de realização pessoal.Coisas, como, “o que posso tirar de proveito pessoal no evangelho?”. Sempre me pergunto o que aconteceria com este povo em tempos de perseguição em que a fé tem de ser defendida com a própria vida.

2. Houve um retorno ao judaísmo e à prática judaizante, sempre com mentiras, tipo: “Óleo trazido de Jerusalém”; “água purificadora do Rio Jordão”, etc, como se tais coisas tivessem algum efeito para curar e ungir as pessoas. Escrevi sobre isto no artigo sobre o “Esoterismo evangélico”. São anúncios mentirosos que iludem o povo e sua fé; um retorno a práticas que antigamente os evangélicos verdadeiros costumavam denunciar. Se o shoffar tocado no culto foi feito em Jerusalém por tal rabino, então, ele traz a presença de Deus nas reuniões. Enganos e mais enganos. Esquecem os líderes que as festas e rituais do Antigo Testamento apontavam para Jesus e tiveram nele seu cumprimento. Por que voltar a práticas judaizantes? Paulo, o apóstolo, se remexeria na sepultura com gemidos terríveis se ouvisse o que acontece com a igreja nos dias de hoje.

3. Abriram-se as portas das igrejas ao mercantilismo evangélico. Não me refiro a venda de materiais e objetos cristãos, pois estes têm de ser vendidos e colocados nas mãos do povo; não me refiro ao cantor ou pregador que carrega consigo seu material, mas ao mercantilismo em que se faz “sacrifícios” para receber uma dádiva de Deus, e pior que este existe o mercantilismo exercido por pastores e líderes que se utilizam de cantores e pregadores para angariar e tirar dinheiro do povo. Os pastores aprenderam a lucrar também com os dons que Deus deu aos irmãos. Neste sentido o ministério que Deus me deu não é lucrativo, porque é profético e não colabora com os erros e falcatruas de homens famosos no ministério. Caso cobrasse cachê elevado para realizar conferências por certo alguns pastores lucrariam retirando uma parte das ofertas para eles e para suas igrejas.

4. Já não se ouvem mensagens bíblicas. Ouvem-se, isto sim, sermões retirados de uma frase, de uma palavra sem jamais se ouvir o que o texto tem a dizer. Conseqüentemente as pessoas membros das nossas igrejas não conhecem a Bíblia porque nunca são levadas a entendê-la plenamente pelos modernos pregadores. Se o pregador for um estimulante da fé com berros, promessas e línguas em meios a pregações, tem lugar nas principais conferências pentecostais.

Fico a pensar no que diriam homens como João Wesley e George Whitfield, Campbel Morgan, F.B. Mayer, C.H. Dodd, F.F. Bruce, Clovis Chappell, famoso pregador metodista; Clarence Macartney; Martin Loyd Jones, anglicano poderoso em palavras; John Darby, C.H Mackintosh e tantos outros que, no passado pregaram o evangelho bíblico. Sim, caso pregadores como estes e tantos outros aparecessem em nossos cultos ficariam envergonhados com o evangelho pregado pelos pregadores modernos.

Às vezes fico a olhar para a quantidade de livros teológicos e de sermões bíblicos de gente famosa do passado que me espreitam do alto das prateleiras, e me pergunto se a nova geração de pregadores terá interesse e saberá entendê-los eficientemente para herdar meus poucos livros.

5. Hoje quando os pregadores tentam voltar à pregação bíblica encontram uma audiência viciada em novidades e, a mensagem por mais bíblica e espiritual que seja não é aceita pelo povo da igreja. Porque o evangelho segundo os evangélicos criou outro tipo de expectativa no povo que não se interessa por temas estritamente bíblicos. Aliás, as pessoas não estão acostumadas a ouvir uma exposição bíblica e, quando me atrevo a expor as sagradas escrituras noto uma audiência irrequieta porque a mensagem não os faz vibrar nem lhes estimula a alma, porque é direcionada ao espírito.

6. As próprias editoras não se interessam muito por livros que, dizem, seriam apenas vendidos a estudantes de teologia. Para as editoras não vale a pena traduzir certos autores ou sermões de pregadores antigos. Estas coisas não vendem e não dão lucro. Por isso tenho saudades de Orlando Boyer que não media esforços em editar e escrever livros usando de todo os recursos possíveis para que novas edições fossem publicadas. Num tempo de limitada tecnologia em que se usava a linotipia, Boyer editava livros e mais livros ao povo pentecostal, usando dos recursos enviados da América do Norte para o seu sustento.

O evangelho segundo os evangélicos enche estádios, templos e salões e vende melhor, mas não produz o mesmo tipo de crente do passado.

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