Estruturas Espirituais do Bem ou da Maldade

A vida cristã deve ser vivida de maneira simples, no entanto, o maior obstáculo à simplicidade da fé são as estruturas que os homens se veem forçados a criar para ordenar e congregar os fiéis.

Existem dois tipos de estruturas que regulam a vida cristã: Estruturas de governo que geralmente se manifestam em estatutos e regras de conduta cristã e as estruturas espirituais de governo que não se materializam, mas que exercem autoridade sobre as pessoas.

Sim, porque estruturas são necessárias em qualquer corpo – e a igreja é um corpo – mas devem ser flexíveis para não impedir o mover do Espírito Santo na vida dos fiéis. É como o corpo humano. Ele é flexível para crescer, encolher, engordar, emagrecer e mesmo assim continua sendo o corpo humano. Ao longo das minhas seis décadas fui magro, gordo, médio, alto e agora estou encolhendo! Ocorre o mesmo com a igreja e com a expressão local da igreja. A flexibilidade é importante em tudo que se faz.

As próprias epístolas se constituem per si um ordenamento de estrutura da igreja, posto que apresentam regras e orientações para o convívio dos irmãos com o mundo, o relacionamento entre irmãos, na vida familiar, no trabalho, com as autoridades, etc. Trazem também condições, exigências e orientações quanto a ordenação de obreiros. Ora, são estruturas apostólicas flexíveis que funcionam a contento em qualquer localidade.

A igreja dos primeiros apóstolos precisou criar algum tipo de estrutura para orientar e corrigir o andamento da igreja. Exemplo disso é a Didaquê, um documento que orientava os cristãos em como viver e se comunicar com o mundo ao seu redor; o relacionamento entre profetas, apóstolos e as congregações locais e o relacionamento entre os irmãos. Nesse sentido os apóstolos que escreveram a Didaquê seguiram os idealizadores do Talmude que orientava os judeus da Dispersão em como viver entre os gentios.

No entanto, não estou me referindo a estruturas de governo, necessárias em qualquer igreja, mas a estruturas espirituais que influenciam positiva ou negativamente as formas de governo. Analise comigo. Algumas igrejas nem estatutos possuem – e não quero entrar no mérito de se ter ou não estatutos, e em algumas delas o estatuto está na cabeça da liderança; especialmente em certas “comunidades cristãs” e igrejas locais, cujos líderes ordenam e decidem como querem o destino de seus liderados. Muitas igrejas ligadas a certos ministérios apostólicos – tenham esses líderes o título de apóstolo ou não – sequer pensam e até detestam quaisquer formas de estatutos ou regimentos internos para conduzir seus muitos pastores ou líderes, só que, na prática, eles são o estatuto; deles vêm a “voz de Deus” que conduz todo o grupo. O perigo de uma estrutura espiritual é que se não for bem formulada e orientada se serve da espiritualidade e da unção para abençoar ou para amaldiçoar; para conduzir ou para deturpar.

No mundo espiritual – de Deus ou do diabo – existe uma estrutura de governo espiritual. Paulo revela a estrutura de Satanás em Efésios 6 falando de quatro níveis no mundo espiritual das trevas, o que indica que uma estrutura espiritual pode conduzir uma pessoa pra cima ou pra baixo espiritualmente.

Algumas estruturas espirituais roubam do cristão a liberdade de pensar, de agir e de viver quando é autoritária e perniciosa. Quando uma igreja local ou uma denominação cria estruturas espirituais autoritárias e de obediência compulsória extravasa os limites da autoridade de Cristo e interfere até mesmo na obediência que se deve prestar ao Espírito Santo.

Pastores há que não hesitam em amaldiçoar e, se possível excluem do rol de suas igrejas quaisquer pessoas que não lhes prestem obediência compulsória e que não sigam as normas e diretrizes por eles impostas. Inda que as pessoas procurem viver santa e corretamente – sem tropeçarem ou sem cometer pecados contra a igreja, contra Cristo, e não se prostituem seguindo o mundo, se em algum momento divergirem ou não concordarem com o que está sendo ensinado pelos líderes são amaldiçoadas e esconjuradas. Por isso afirmo: A autoridade que de Cristo recebemos tem de ser sabiamente usada!

Transitando pela igreja é possível perceber que a maioria das igrejas criou estruturas espirituais que inibem o livre-pensamento, a livre-opinião, e subjugam as pessoas a que obedeçam o iluminismo apostólico e presbiterial. Quando falo de iluminismo estou pensando em grupos cujos apóstolos, bispos ou presbitérios advogam a si serem a voz de Deus para as pessoas. Governam as pessoas a partir do iluminismo de que possuem a revelação de Deus e exigem de seus discípulos obediência irrestrita. Nem Eliseu obedeceu a Elias assim. Se tivesse ficado em Jericó, como Elias ordenou perderia o “manto” e não veria seu mestre ser arrebatado (2 Rs 2.6).

A estrutura espiritual escravagista e dominadora não encontra eco na doutrina de Cristo e dos apóstolos. Se ao menos o texto de 1 Pedro 5.1-4 fosse levado a sério veríamos um pastoreio cristocêntrico em que as pessoas se sentem felizes e abençoadas por pertencerem ao corpo de Cristo.

Por outro lado, ao implantar estruturas espirituais impraticáveis cria-se um tipo de cristão inoperante, que não conhece a autoridade de Cristo e, por conseguinte desconhece o que é autoridade espiritual. Sim, porque uma coisa é o discipulado a Cristo, cujas demandas são muito fortes e que exige obediência total aos seus mandamentos; outra bem diferente é o discipulado aos homens. Estes impõem regras e condutas, que nem Cristo exige. Um bom discipulado a Cristo encaixa o indivíduo na estrutura espiritual de Cristo, e, consequentemente o bom discípulo não precisará de leis e regras para reconhecer a autoridade espiritual daqueles que os pastoreiam.

A falta deste discipulado a Cristo vem criando uma geração de discípulos ou seguidores que desconhecem a razão por que têm de obedecer. Quando as demandas de Cristo tão-bem formuladas nos Evangelhos e nas epístolas forem ensinadas acima de quaisquer leis, por certo criaremos uma geração de discípulos que seguem a Jesus incondicionalmente; que não precisam de regras e leis para viverem a vida cristã. Honrar, respeitar e ouvir seu pastor é consequência de um bom discipulado a Cristo.

Com isto quero explicar que a vida cristã não é tão complicada; os homens tornam a vida cristã inviável.

Minha apostila Discipulado a Cristo que escrevi 15 anos atrás toca no cerne do autoritarismo espiritual. Vale a pena ler.

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