Quase fui abortada – Vanda Zalewski

1973.

Sentada na grande varanda da casa de meus pais em Porto Alegre para onde fomos  eu e meu marido depois que engravidei – antes residíamos no Rio de Janeiro – fiquei a imaginar como a vida se desenvolve.

Senti a criança crescer dentro de mim. Não sabia se era menino ou menina, porque na época não havia exames que identificassem o sexo. Quem tentava acertar eram os avós, os mais antigos.

– Você está com cara de que vai ter uma menina – e diziam que quando os lábios ficam de um jeito, barriga de outro é menino, ou é menina.

Mamãe sentou-se ao meu lado e contou a história de meu nascimento.

Seu irmão mais velho – me disse mamãe – nasceu em julho de 1946. Quando ele tinha 1 ano e 1 mês de vida engravidei novamente. Seu pai era sapateiro, desempregado, e morávamos num único cômodo alugado, ele fazia biscates para sobreviver. Quando soube que eu estava grávida, se desesperou. O que fazer para sustentar mais uma criança, desempregado, morando num cômodo só? Tratou logo de encontrar uma solução para interromper a gravidez – o bebê não poderia nascer! Procurou uma parteira e marcou com ela o dia e hora para mamãe abortar. Mas mamãe não concordou com o aborto:

– Faço qualquer coisa para criar essa criança. Abortá-la, jamais, disse mamãe, isso é pecado.

Católica fervorosa chorou, implorando a papai para que mudasse de idéia e não cometesse tamanho pecado. Papai – descendente de judeu polonês – bastante temperamental, não voltou atrás, e decidiu que o aborto era inevitável. Uma das irmãs dele acompanharia minha mãe até a casa da mulher que faria o aborto. Exatamente na véspera do aborto, minha mãe sonhou que andava com meu irmãozinho pela mão, entrava nas lojas de tecido e pedia panos para fazer roupas de bebê. As balconistas traziam para ela tecidos vermelhos e pretos. E isso se repetia a cada loja.

No sonho mamãe dizia:

– Não quero tecidos dessa cor. Quero fazer roupas de neném. Quero tecidos claros. E elas lhe respondiam:

– Tecidos com cores para neném não temos, só preto e vermelho.

Sem encontrar o tecido que procurava, em seu sonho mamãe voltou para casa pela rua onde havia um cemitério – em Porto Alegre o cemitério fica no alto de uma colina, com uma subida íngreme. Subiu a ladeira do cemitério segurando pela mão meu irmão pequeno. Foi quando uma mulher vestida de branco surgiu diante dela, e segurando-a pelos quadris, lhe disse:

– Olhe para trás.

Ela olhou e viu logo atrás o cemitério da Santa Casa.

– Não tira essa criança. Se matares essa criança é para lá que serás levada!

E apontou para o cemitério. Depois acrescentou:

– Este menino que tens pela mão ainda vai brincar e andar com ela pela mão.

Logo que despertou do sonho, assustada, mamãe contou o sonho para meu pai, acrescentando:

– Fui avisada em sonho de que, se eu tirar essa criança, vou morrer. E o bebê que esperamos será uma menina!

Papai tentou dissuadi-la de que tudo não passava de um sonho, mas por fim concordou e o aborto foi cancelado. Jovem e já calvo, aproveitou bem o dinheiro reservado para o aborto e comprou para ele um belo chapéu Ramezzoni. Desempregado, esperando um segundo filho, nada mais lhe restava senão rezar a Deus!

Nasci no mesmo mês e ano do renascimento da nação de Israel, Maio de 1948. Eu nasci no dia três. Israel se tornou nação dia oito de Maio do mesmo ano. Para uma nação é pouco tempo, para um ser humano, atravessei o pico da existência. Diria que estou ficando madura, ou entrando no outono da vida. Cada vez que se aproxima a data de meu aniversário ficando imaginando quantos anos se passaram. Aquela menina frágil – quem diria? – que tanto lutou para vir ao mundo persiste em viver!

Meu nascimento foi difícil. Nasci em casa, atendida por uma parteira. Minha mãe ficou dois dias em trabalho de parto. Vinte e quatro horas depois de nascer, ela teve que massagear meu coração, fazer respiração boca a boca e me dar umas palmadas para eu sobreviver. Devido a esse nascimento difícil, tive problemas cardíacos que só depois de casada se manifestaram.

Aqueles como eu que nasceram no pós guerra – Segunda Grande Guerra – não foram obsequiados com fartura, já que uma onda de desemprego e escassez de alimentos afetaram nossa nação. E foi justamente nessa época de crise e de recessão econômica que Deus me trouxe ao mundo. O alimento era escasso, não se encontrava farinha, feijão, arroz e açúcar. O Brasil vivia uma grande recessão econômica, porém Deus abençoou meu pai, pois quando nasci ele já estava empregado numa metalúrgica, e nela trabalhou até o mês do meu casamento, quando eu já tinha 23 anos.

Ouvi toda a história, massageei a barriga, acariciando o neném que estava no frente, abri a Bíblia e li o texto:

Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda (Sl 139.14-16).

Abortar, jamais! O pequeno ser gerado no ventre de uma mulher é bênção de Deus para toda a família!

Fiquei ali sentada a imaginar: Deus controla nossos passos desde antes de nascermos! Bendito seja o nome do Senhor!

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