Para Onde Vai a Igreja?

Eu já escrevi dezenas de artigos em que abordo alguma área da igreja. Na década de 1980 publiquei “Para Onde Vamos Como Igreja no Brasil?”, um tratado feito para os discípulos que comigo andavam, em que fiz uma abordagem histórica da igreja desde a aurora da renovação espiritual com Francisco de Assis, passando pelos cátaros, Wiclyff, João Huss, os Lolardos, os Irmãos, etc., comparando aquele tempo ao tempo em que estávamos vivendo. Ao longo das outras décadas escrevi muitos artigos apontando as tendências e os rumos que a igreja estava tomando. Ainda nutro a idéia de que é possível agrupar todo este material para um novo livro – a questão é quem publicaria uma obra com este teor profético.

Hoje, no entanto, tenho uma outra abordagem a fazer. Falava com um de meus “filhos” espirituais sobre a igreja, seu estado atual, e comentávamos meu último artigo: Análises dos Rumos da Igreja Brasileira – período de 1960-2000, quando ele me perguntou: À luz do que estamos conversando, para onde Deus está levando a Igreja brasileira? A questão em si é elucidativa, porque ele queria saber para onde Deus está levando a Igreja e não para onde ela caminha. Quer dizer, uma coisa é analisar a igreja em sua caminhada olhando do ponto de vista de que ela é um organismo autônomo que caminha por si só, outra bem diferente é olhar de uma perspectiva cósmica, transcendental em que cada passo que a igreja dá o faz sob a anuência ou permissão de Deus.

Passei a refletir a igreja à luz do que Deus fez com a nação de Israel. Israel era o seu povo amado; Jerusalém sua morada. O templo reluzia no monte como testemunho às nações. Os profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel expressam tantas vezes os sentimentos de Deus em relação ao povo, à cidade, revelando o coração de Deus e seu apego pelo povo. Mas Israel abandonou os retos caminhos de Deus, não cumpriu com suas obrigações sociais com seus próprios cidadãos nem com os demais povos da terra, desprezou os órfãos, as viúvas, os forasteiros oprimiu; seguiu após outros deuses e, conseqüentemente Deus os entregou à sua própria sorte. Isto é, Deus deixou a nação correr à solta como jumenta selvagem sem rumo. O estudante da Bíblia que conhece bem as escrituras dos profetas há de se lembrar disto tudo. Obviamente que a razão explícita e expressa do desterro para a Babilônia é resumida no final do livro de 2 Crônicas:

“Para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias, até que a terra se agradasse dos seus sábados; todos os dias da desolação repousou, até que os setenta anos se cumpriram” (2 Cr 36.21). Israel não guardou os anos de descanso da terra a cada sete anos e Deus determinou que a vida de injustiça da nação fosse expiada em cativeiro.

Deus vinha alertando o povo desde os dias de Moisés no deserto, mas o povo foi rebelde e não seguiu os mandamentos do Senhor. O desterro da Babilônia durou 70 anos, mas o desterro total durou mais de 2525 anos até 1948 quando os judeus passaram a ser nação livre novamente. Apesar de me sentir tentado em escrever sobre essas profecias todas, meu foco aqui é Deus e a igreja brasileira à luz do que ele fez com Israel.

Creio que Isaías é o profeta que fornece a chave para entendermos os rumos da igreja. Os revisores da Bíblia colocaram no início do capítulo 63 o título: Deus vinga o seu povo. Examinando as afirmações do profeta penetra-se no coração de Deus. Ele diz: “Porque o dia da vingança me estava no coração, e o ano dos meus redimidos é chegado. Olhei e não havia quem me ajudasse, e, admirei-me de não haver quem me sustivesse; pelo que meu próprio braço me trouxe a salvação, e o meu furor me susteve. Na minha ira, pisei os povos, no meu furor, embriaguei-os, derramando por terra o seu sangue” (vv 4-6). Deus estava a ponto de extravasar sua ira contra Israel e precisava de alguém que o contivesse, alguém que estivesse ao seu lado para o conter…

Ao ouvir tal declaração o profeta estremece e passa a orar. Os últimos versículos do capítulo revelam a profundidade da oração de Isaías. Depois de exaltar as benignidades e as misericórdias de Deus Isaías conclui que o mal virá porque o povo foi rebelde e entristeceu o Espírito Santo, “pelo que se lhes tornou em inimigo e ele mesmo pelejou contra eles” (v 10).

Sempre que pregamos sobre o Espírito Santo recusamos aceitar e sequer coragem de mencionar que o “Espírito da verdade” que nos guia a toda verdade, como afirmou Jesus, pode também nos guiar ao erro. Mas é o que afirma o profeta. Deus passou a ser inimigo de seu povo! O angustiante clamor do profeta nos versículos seguintes é a chave para entendermos por que Israel foi levado a cativeiro e pode nos servir de chave quanto ao futuro da igreja. “Ó Senhor, por que nos fazes desviar dos teus caminhos? Por que endureces o nosso coração, para que te não temamos? Volta, por amor dos teus servos e das tribos da tua herança” (v 17).

Observe atentamente as duas perguntas de Isaias: Por que nos fazes desviar dos teus caminhos e por que endureces o nosso coração, para que te não temamos? Isaías está afirmando que o próprio Deus fez Israel se desviar e o coração do povo ficou endurecido e sem temor porque Deus assim o quis!

Anos depois Deus diria a Jeremias: “Não rogues por este povo para o bem dele… estou cansado de ter compaixão… portanto, assim diz o Senhor: Se tu te arrependeres, eu te farei voltar e estarás diante de mim…” (Jr 14.11; 15.6,19).

A chave para entender os rumos da igreja é a mesma que Isaías e Jeremias receberam para entender o destino de Israel naquela época – separados por pouco mais de um século. Deus está conduzindo a igreja rebelde para sua própria destruição. Segue pela estrada, cheio de compaixão e misericórdia, segurando o povo pela mão, mas disposto a deixá-lo perecendo à beira do caminho. Este misto de compaixão e justiça; de misericórdia e ira; de amor e ódio é visto sempre que lemos sobre o destino de Israel nos profetas do AT.

“Por que nos fazes desviar dos teus caminhos? Por que endureces o nosso coração, para que te não temamos?”. Eis as chaves para entender os rumos da igreja. Deus está permitindo que a igreja siga pelo caminho do erro, porque ela tem sido desobediente aos seus mandamentos. A mensagem do evangelho está sendo adulterada pelos pregadores, pastores, profetas e apóstolos; o enriquecimento ilícito ministerial virou praxe; e o povo se deleita apenas em festas e prazeres, como falei em artigos anteriores.

Se Deus procede assim com o mundo, por que seria diferente com a igreja? Paulo ao tratar da sombria situação da humanidade três vezes afirma: “Deus entregou tais homens à imundícia… por causa disso, os entregou Deus a paixões infames… o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes” (Rm 1.24,26, 28). Observe a chave: Deus os entregou. Apesar de não possuir a revelação escrita, a Bíblia, a humanidade tinha conhecimento de Deus através de dois testemunhos, a natureza e a consciência que lhe servia de testemunho divino (Rm 2.14-15). Mas, o homem preferiu deixar Deus de lado, e Deus, então entregou o homem às suas próprias paixões, deixou-o correr à solta, sem freios seguindo seu próprio caminho.

Ao que parece o mesmo princípio vem sendo aplicado à igreja. Ela foi entregue à sua própria paixão, à solta para viver seus delírios; livre para seguir seu próprio caminho, sim, porque o que se vê hoje no Brasil não espelha a verdadeira igreja sonhada por Deus e seus apóstolos. O que se vê hoje é uma igreja que, à semelhança dos dias de Isaías e de Jeremias quando os profetas sonhavam sonhos e estavam cegos, os líderes – pastores e apóstolos – estão cegos e sonham com suas próprias paixões, seu desejo ardente de riqueza e luxo.

Creio que Paulo esclarece ainda mais o tema ao escrever para os irmãos de Tessalônica. Ao falar da presença do anticristo na terra e de sua manifestação, depois de dizer que o homem da iniqüidade virá segundo a eficácia ou energia de Satanás – com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem – Paulo afirma que os enganados serão aqueles que “não acolheram o amor da verdade para serem salvos”.

O nó para se entender o que Deus pensa sobre a igreja está desatado. Os rebeldes, os que não aceitam o amor da verdade, os que preferem seguir seus próprios caminhos, os desobedientes serão os primeiros a dar ouvidos e a seguir os falsos apóstolos e pastores; sim, porque Deus permite o surgimento de profetas e apóstolos falsos para que seu povo rebelde seja enganado! E Paulo afirma a seguir: “É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade…” (2 Ts 2.9-12). E operação aqui é energema ou energia, um poder que só vem de duas fontes: Deus ou o diabo. É uma força “oculta” que opera por trás do ministério de muita gente famosa.

Muita gente vive na ilusão de que está bem, no caminho certo, e não consegue ver que Deus lhes mandou a operação do erro. Deleitam-se ouvindo palavras que lhes dão coceiras nos ouvidos; correm daqui pra lá, de lá pra cá atrás dos pregadores que lhes acenam com a mensagem de fé e de prosperidade; dos que lhes prometem unção de riqueza e unção milionária, coisas essas que jamais passaram pela mente de Deus e de seus primeiros apóstolos.

A chave: Deus envia a operação do erro sobre os desobedientes. Isto deveria soar como alarme estridente alertando-nos de que a igreja, ao abandonar a prática do verdadeiro evangelho é entregue por Deus à sua própria sorte aceitando as novidades que lhe são pregadas pelos falsos apóstolos, pastores e profetas.

A chave para se entender melhor o tema está em Deuteronômio 13.

Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador; porquanto o Senhor, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma (Dt 13.1-3).

Conforme o texto, o profeta é falso não porque anunciou um milagre e este não se cumpriu; ao contrário, o milagre ou sinal que vaticinou aconteceu, e neste sentido não deveria ser considerado um profeta falso, pois o milagre aconteceu. O que o torna falso é que ele usa o dom da profecia, a capacidade de produzir milagres e prodígios para levar o povo a se desviar de Deus, buscando outros deuses ou seu próprio interesse. O texto é claro: o que ele anunciou aconteceu, mas tal profeta não deve ser ouvido quando induzir as pessoas a outros deuses. Para os judeus, o próprio Deus permitia que isto acontecesse para provar o coração do povo, se o povo era fiel ou não a Deus. E que outros deuses são estes nos dias de hoje? Tudo o que vem maquiado pela cobiça, como desejo de enriquecer, desejo de se engrandecer, de se ter um grande ministério, usando-se, para tanto, os dons de Deus em benefício pessoal.

O profeta ou apóstolo é julgado não porque o que anunciou não aconteceu – neste sentido ele não é falso, afinal, tudo que anunciou pelo rádio e pela tv aconteceu! O que os torna falsos é quando usam dos milagres para afastar as pessoas dos propósitos de Deus. Ora, o Senhor permite que as manifestações de milagres e de poder aconteçam para nos provar, ou colocar em teste nossos corações, se amamos o Senhor mais que os milagres, mais que as bênçãos, mais que as riquezas. “Deus, vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma”.

Quando os pregadores e líderes dos dias atuais usam o ministério para oferecer às pessoas oportunidade de enriquecimento, de se tornarem ricas, e eles mesmos, por realizarem milagres, usam dos milagres para se enriquecer, incluem-se no rol dos falsos e levam as pessoas a se desviarem de Deus. Não há dúvidas de que Deus os usa poderosamente, mas com o objetivo de nos testar, de saber se amamos mais o Senhor que os bens; se contribuímos por obediência ou porque queremos ficar ricos e abençoados em troca das ofertas.

É neste sentido que Deus entregou a igreja atual ao engano dos falsos apóstolos, dos falsos profetas e dos falsos pastores que se utilizam dos dons para proveito próprio; para que sigam o seu deus, que é o deus da ganância, do enriquecimento ilícito, sigam a  Mamom, demônio iníquo que, associado a Belial levam os desobedientes à perdição. E Deus o permite!

Neste ponto de minha alocução, o filho espiritual indaga: não há um remanescente? Repondo-lhe que sim. Que existe um remanescente, e que pela leitura que faço da igreja atual este remanescente pode estar entre os irmãos membros de denominações evangélicas históricas que ainda permanecem fieis a Deus, cujos pastores ainda pregam a verdade e que perdem membros para as igrejas neopentecostais que os atraem com promessas vãs. Sim, porque quando ministro em igrejas chamadas de “tradicionais” vejo-os mais sérios e comprometidos com Deus do que os que estão em igrejas de sucesso empresarial. A ordem foi invertida. Os que pensam ser remanescentes fieis caíram na armadilha de Deus apresentada pelos falsos apóstolos e profetas.

Este remanescente fiel não vive à procura de milagres, mas segue o Deus dos milagres; não se encanta com a magia de palavras e de sucesso financeiro, mas vive consciente de que o que tem vem do Senhor e que para o Senhor deve ser devolvido. O fiel remanescente nem sempre está nos grupos que abandonaram as denominações e caíram no laço sedutor dos falsos pregadores; que deixaram de congregar com pastores que levam uma vida comprometida e séria com Deus só porque estes não possuem os dons espirituais que encantam as pessoas; sim, estas pessoas que se acham fieis remanescentes vêm sendo iludidas pelos profetas de Deuteronômio 13 e são por Deus entregues à perdição.

Acreditava-se que o remanescente fiel era aquele que deixava a denominação, chamada de a grande Babilônia e se recolhia a grupos em casas e salões, no entanto, percebe-se que muitos desses grupos, por desobedientes que eram foram entregues por Deus à operação do erro, “porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos”. E quando ministro em igrejas pentecostais históricas noto que entre eles há um remanescente fiel que não se dobrou a Baal, nem foi iludido por Belial vivendo intensamente para Deus.

O remanescente fiel é o obediente; o que segue a Jesus na pobreza e na riqueza, com dinheiro ou sem dinheiro, com cura ou sem cura; com milagres ou deles precisando; morrendo, mas vivendo; que abrigam em seu coração o desejo de viver cem por cento para Jesus e pagam o preço de sua fé.

A igreja brasileira e quiçá a da América do Norte vive à cata de milagres, de reuniões de poder, de manifestações proféticas, de apelo à prosperidade e de riqueza; seguem sofismas que transformam a mensagem do evangelho numa mentira que é aceita por todos. Deus armou o seu laço. Deus entregou a igreja nas mãos dos pregadores que pregam por dinheiro; nas mãos de pastores que vivem na abastança enquanto seus membros lutam para ganhar o sustento. Deus entregou a igreja para que o remanescente fiel seja salvo.

“É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça” (2 Ts 2.11-12).

“Porquanto, o Senhor vosso Deus vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma” (Dt 13.3).

Eis a chave!

Em nossos dias Paulo diria: Foge também destes que pregam fartura e riqueza, que vivem na opulência; que se utilizam do evangelho para satisfazer sua gula. Guarda-te, Timóteo!

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